22.4.07

A Alma encantadora das quadras

Totalmente imerso no livro maravilhoso de João do Rio tive essa vontade. Digo vontade, pois não considero algo novo. Não é uma idéia minha portanto. Considero algo tão interessante que não é possível que ninguém tenha deixado de pensar em algo do gênero antes.

É o seguinte, partindo do principio que as escolas de samba são uma das mais interessantes manifestações do carnaval no mundo inteiro; tomando a importância das escolas no cotidiano das comunidades pobres do Rio de Janeiro e em diversos outros lugares do Brasil poderíamos utilizá-las como objeto de contemplação como fez João do Rio. Fundamentalmente partiremos das escolas como objeto de contemplação, não de estudos, de pesquisa. As formalidades implícitas em uma pesquisa e seus métodos rigorosos pode tirar o brilho e o sentimento do projeto.

Funcionaria assim: visitas por todas as quadras do Rio de Janeiro no período pré-carnavalesco privilegiando as escolas dos grupos de acesso especialmente as menores e mais pobres. São poucas as matérias, inclusive em veículos especializados em carnaval, sobre escolas como Rosa de Ouro e Corações Unidos do Amarelinho. O mesmo ocorre com escolas outrora badaladas como Acadêmicos do Engenho da Rainha e Unidos da Ponte. Dessa forma a ascensão ou recuperação e até mesmo a decadência dessas escolas são ignoradas posto que acontecem quando estão nos grupos de acesso.

Estas visitas devem ser mais do que meros contatos etnográficos de campo, onde o observador busca distanciar-se do objeto. Ser repórter, procurar o furo do carnaval nessas quadras será infrutífero e tampouco alcançará o objetivo que desejo. Para tal projeto é necessário ter o espírito do "flaneur". O mesmo “flaneur” apresentado por João do Rio na "Alma encantadora das ruas". Aquele que sabe "perambular com inteligência".Deve-se flanar para sentir todo turbilhão de emoções que emana das quadras, para encarnar e interagir com cada elemento que batalha por um pavilhão. Sentindo a alma pulsante dos ensaios à relva e encravado no cume do morro. Circular por receptivas senhoras cozinheiras, comer suas sopas de ervilha; beber com os compositores; ouvir as reclamações dos oposicionistas da direção atual no botequim ao lado; não considerar perdidos os dias sem ensaio; constatar a convivência com o narcotráfico; a presença maciça de crianças nas baterias...Tudo isso sem gravadores, câmeras ou bloco de notas. As únicas ferramentas serão seus olhos e todos os registros na mente e no coração. No final do dia tal qual um diário tudo anotado com carregada carga expressiva. Acho que posso fazer uma concessão para uma câmera fotográfica desde que está seja utilizada para guardar essa alma pulsante.

Um projeto ambicioso desses não requer anos de estudo, mas anos de dedicação. Quem quiser tocar o mesmo não precisa ter milhares de contatos, mas vontade de tê-los. Coragem para tal é fundamental. Finalmente deve o “flaneur” ter sensibilidade de poeta. Eu queria ser esse “flaneur”, queria ser o cara que tocaria esse projeto, queria “perambular com inteligência” pela cidade. Não tenho nada que me qualifique como tal “flaneur” a não ser a vontade de sê-lo.

Nenhum comentário: