1.5.07

Na Linha Vermelha

Há pouco tempo surgiu em um dos espaços relegados a "vigésimo plano" pelo poder público próximo à Linha Vermelha, por onde circulam milhares de veículos em direção ao centro da cidade e zona sul um conjunto de moradias. Na verdade a Linha Vermelha também serve de acesso à Baixada, porém o fato que discorro aconteceu no sentido Zona Sul. Uma ocupação de barracos de madeira e tapumes surgiu beirando o Canal do Cunha e lembrando as favelas de palafitas que outrora ocupavam a região. Os primórdios da favela da Maré eram bem parecidos. Jogados ali, longe de tudo os moradores da antiga favela Pinto, vítimas de um incêndio criminoso foram abandonados pelo governo de Carlos Lacerda (baluarte da política conservadora da classe média) às margens da Baia de Guanabara. Nesse espaço que antes era ocupado por lagos de xorume, chiqueiros e carcaças de carros incendiados agora existe uma ocupação. Trata-se do clamor de uma parcela da sociedade por moradia digna. Não estão ali por opção e sim por necessidade. Em momento algum é desejável dividir espaço com ratos e porcos à beira de um canal fétido. Não é protesto. Não é a mesma coisa que vestir uma camisa numa tarde de domingo e deitar no calçadão da Avenida Atlântica. Mesmo não se tratando de um protesto, tal ocupação suscita uma importante série de reflexões aos que enfrentam os congestionamentos diários no caminho pro trabalho.

Foi compartilhando do prazer de enfrentar um desses engarrafamentos com outras 13 pessoas, dentro de uma van que peguei na Ilha do Governador, que ouvi uma opinião sobre tal ocupação interessante para debate. A van é um dos meios de transporte mais confortáveis de acesso ao centro, logo é geralmente ocupado por pessoas de classe média. Enquanto passávamos pela ocupação a senhora que estava três bancos à frente do meu exclamou "Ai meu Deus! Mais uma favela! Qualquer dia vais ser impossível atravessar a Linha Vermelha!". Acredito que seria válida a preocupação da senhora fosse ela direcionada as condições de moradia precárias daquela nova ocupação. No entanto, endossando um ponto vista muito comum a classe média em geral, aquela senhora associou um grupo de moradores pobres à violência. Realmente o cotidiano desses moradores não é muito tranqüilo, porém essa senhora só faltou esconder a bolsa enquanto passávamos.

Não consigo ter muita esperança de mudanças pacificas em um ambiente de alienação tal qual se encontra boa parte da classe média atualmente. O fenômeno acredito seja mundial e se propaga na mesma escala que a expansão de uma cultura extremamente consumista. Nada disso é novidade no mundo capitalista. Não é fenômeno exclusivo do capitalismo neoliberal, é fato persistente em toda história desse sistema putrefante. Um sistema fadado ao fracasso tão desejado pela maioria dos que nele vivem, mas que teima em permanecer vivo.

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